Como os arquitetos dependem fundamentalmente de imagens para transmitir informações abstratas para seus clientes e para o público em geral, o debate sobre o papel das renderizações na arquitetura parece não ter fim, assim como não há e nem haverá consenso sobre o tema.
O termo “visualização arquitetônica” abrange uma vasta gama de técnicas, estilos, ferramentas e mídias, desde processos artísticos manuais como esboços, pinturas e colagens até renderizações hiper-realistas e pós-produção digital. Alguns arquitetos e arquitetas abraçaram as possibilidades inerentes às ferramentas digitais de representação a tal ponto que, para estes, é impossível dissociá-las da própria prática da arquitetura; outros, por sua vez, mantém uma postura mais crítica em relação ao hiper-realismo, permanecendo fiéis a um tipo de representação mais artesanal e portanto, aberta. A seguir, procuramos abordar os diversos posicionamentos em relação à representação da arquitetura e contribuir para um debate mais abrangente sobre as diversas possibilidades que as múltiplas representações da arquitetura proporcionam para a nossa disciplina.
Render: uma promessa de realidade
Dizem que uma imagem vale mais do que mil palavras. Os arquitetos são os primeiros a saberem disso. Conscientes do poder que elas exercem na maneira como percebemos o espaço e a arquitetura, a responsabilidade dos arquitetos tende a aumentar a medida que as ferramentas de visualização arquitetônica aproximam-se cada vez mais da realidade.
Alguns anos atrás, em resposta a um artigo difamatório acusando o escritório de engambelar os seus clientes através de imagens enganosas, o MVRDV defendeu o seu posicionamento em relação ao uso de renderizações hiper-realistas, apresentando uma série de argumentos convincentes sobre a importância das técnicas digitais de visualização para a arquitetura. Naquela ocasião, o escritório holandês se referiu à renderização como uma necessidade da prática profissional nos dias de hoje, e apesar de reconhecer suas limitações, eles afirmam que somente através destas imagens é que eles são capazes de transmitir suas ideias para o público em geral. Quando trata-se de comunicar às autoridades responsáveis pela tomada de decisões, o MVRDV enfatiza que, projetos de arquitetura são, por natureza, promessas e que nem sempre todas as expectativas podem ser concretizadas — eles tampouco estão preocupados em representar a realidade tal qual, ou tal como deveria ser:
A sugestão de que construtores e arquitetos se beneficiam da representação deliberada de um projeto de arquitetura como mais atraente do que realmente pode vir a ser é um ponto de vista assaz limitado: que as pessoas que pagaram por estes edifícios protestem porque a realidade não cumpre com as suas expectativas. [...] Naturalmente, a representação da arquitetura é uma interpretação de algo que ainda não existe, e como tal, apesar de esforçar-se em retratar a realidade com precisão, é apenas um palpite do que pode vir a ser esta realidade.
No mesmo comunicado, o MVRDV trouxe à tona um argumento crucial em defesa da renderização: a capacidade de criar narrativas convincentes, de propor coisas que nunca foram feitas e, desta maneira, levar a própria arquitetura para além dos limites conhecidos. Para sustentar a argumentação, os arquitetos holandeses utilizaram como exemplo o seu projeto para o acervo público de arte do Museu Boijmans van Beuningen, no qual eles estavam propondo uma floresta na cobertura do edifício — uma imagem que gerou tanto entusiasmo nos clientes que recursos adicionais foram alocados para garantir a sua viabilização.
Obviamente sempre haverá um distanciamento entre a representação e a realidade, e embora a intenção seja encurtar este afastamento cada vez mais, cabe ao espectador ter em mente que imagens — até mesmo as hiper-realistas — são apenas uma suposição otimista da realidade que está por vir, e que é responsabilidade dos arquitetos, escolher cuidadosamente as imagens que eles divulgam dos sus projetos. Testemunhando a favor de seus colegas do MVRDV, os arquitetos do Mecanoo dizem ter orgulho da verosimilhança entre as visualizações e o resultado final dos objetos construídos — uma espécie de contraprova de uma promessa que se concretiza. Através de suas redes sociais, o Mecanoo costuma postar uma série de imagens com o título de Render vs Reality, comparando as renderizações divulgadas durante a fase de projeto com fotos tiradas do mesmo angulo depois de concluída a obra. Desta forma, os arquitetos também enfatizam a capacidade de revelar em detalhe como um projeto virá a ser quando construído.
Colagem digital: uma alternativa ao hiper-realismo
Alguns escritórios defendem uma postura um tanto crítica em relação ao hiper-realismo das visualizações arquitetônicas. Não são poucos aqueles que advogam a favor de um processo de representação mais artesanal, utilizando colagens digitais em contraposição às renderizações hiper-realistas, ou simplesmente porque estes procedimentos mais rudimentares são capazes de construir uma outra espécie de narrativa, despertando a imaginação do observador ao mesmo tempo que não limita o projeto à uma imagem pré-estabelecida da realidade.
Nesta entrevista, realizada a mais de dez anos atrás, o arquiteto David Chipperfield já chamava atenção ao fato de que os clientes hoje em dia não estão mais dispostos a esperar o tempo necessário para o amadurecimento de um projeto de arquitetura e, em vez disso, desejam ter uma imagem clara de como o edifício virá a ser no futuro deste o primeiro momento, limitando os possíveis desdobramentos de um processo em desenvolvimento:
Quando você está apenas começando a esboçar uma idéia, [...] o cliente já quer saber exatamente como será a aparência do edifício a partir de todos os pontos de vista possíveis. Ninguém mais quer saber de observar um desenho em planta.
Compartilhando do mesmo ponto de vista, a poucos meses, Tatiana Bilbao explicou em uma entrevista a razão pela qual ela optou por banir as renderizações durante o processo de projeto em seu escritório, argumentando que as imagens geradas por computadores frequentemente minam a criatividade dos arquitetos, impedindo os desdobramentos aos quais Chipperfield se referia. A arquiteta mexicana evita qualquer tipo de representação hiper-realista durante a fase de projeto, optando por utilizar colagens, esboços e modelos para transmitir suas ideias para os clientes. Segundo Bilbao, técnicas da colagem se adaptam melhor à abordagem proposta por seu escritório, alavancando o processo criativo de sua equipe. Recentemente, o trabalho de Tatiana Bilbao foi exibido em uma exposição organizada pelo Museu da Louisiana, apresentando seu processo projetual através do uso exclusivo de colagens e modelos tridimensionais.
Não são poucos os escritórios de arquitetura que preferem a colagem digital à renderizações. O Fala Atelier, por exemplo, desenvolveu um estilo próprio e facilmente reconhecível de visualização utilizando essencialmente colagens digitais. De forma até surpreendente para aqueles que estão acostumados com imagens hiper-realistas, a semelhança entre a representação e o objeto final construído é admirável, provando que não necessariamente à renderização é uma imposição da prática da arquitetura nos dias de hoje, e que outras formas de representação — como a colagem digital — pode ser mais do que suficiente para transmitir com bastante precisão as qualidades intrínsecas à um projeto de arquitetura. Os arquitetos do Fala Atelier, juntamente com outros dois escritórios entusiastas da colagem digital como alternativa à visualização hiper-realista da arquitetura, argumentaram a favor desta prática nesta bela entrevista recentemente publicada aqui no Archdaily.
Modelos tridimensionais também fazem parte do universo da visualização arquitetônica. Historicamente apreciada por uma série de importantes arquitetos e escritórios de arquitetura, maquetes são ainda hoje importantes ferramentas de representação. Profissionais como Peter Zumthor ou Caruso St. John estão ressignificando o valor destes protótipos como instrumentos de visualização da arquitetura, um instrumento de projeto amplamente difundido nas salas de aula da ETH de Zurique. Ao longo dos últimos anos, Peter Zumthor passou a adotar uma postura mais flexível em relação a visualização de seus projetos de arquitetura, incorporando ferramentas digitais de representações para apresentar suas propostas. No entanto, ele afirma que seu instrumento preferido para apresentar seu trabalho continua sendo os modelos tridimensionais e esboços, os quais Zumthor costuma mencionar repetidamente em suas palestras como o melhor meio para transmitir as suas intenções de projeto.
Apesar de diversos em forma e conteúdo, esses exemplos representam apenas algumas possibilidades dentro do infinito universo da visualização arquitetônica e provam que nenhum meio é suficiente por si só. Com isso em mente, não devemos limitar o debate sobre a visualização arquitetônica perguntando-nos se as renderizações são benéficas ou nocivas para a prática da arquitetura, e sim ampliá-lo para um entendimento mais abrangente sobre as diversas possibilidades que as múltiplas representações proporcionam para o futuro da arquitetura.